No início de setembro, a divulgação da carta mensal aos investidores da Verde Asset fez barulho no mercado. No documento, a gestora de Luis Stuhlberger anunciou que reduziu a exposição à bolsa brasileira para o menor nível desde 2016 — hoje o lendário fundo Verde encontra-se liquidamente zerado no Ibovespa.
De certa forma, a posição da Verde resume o sentimento de vários “tubarões” da Faria Lima sobre a bolsa. Se agosto foi visto como um mês de ouro para o Ibovespa, com uma sequência histórica de recordes, agora a perspectiva majoritária para o principal índice de ações da B3 é de tempestade para os próximos meses.
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Entre as gestoras que compõem o clube dos pessimistas com o mercado local atualmente está a Kinea. A gestora controlada pelo Itaú vê o Brasil “entre a cruz e a espada” — e encontra-se com posição neutra em bolsa.
“A bolsa brasileira vive em uma balança. De um lado, tem os lucros das empresas que vieram mais fortes. Já do outro, tem o mercado preocupado com o risco fiscal porque sabe que essa bonança vem de um impulso fiscal muito agressivo”, afirmou Ruy Alves, gestor do portfólio macroeconômico global da Kinea, ao Seu Dinheiro.
As visões dos gigantes para o Ibovespa
O gestor da Kinea é categórico ao afirmar que não vê com bons olhos o Ibovespa — índice de ações que representa uma bolsa emergente “mediana e sem nada especial”.
Para o gestor, parte do impulso da bolsa brasileira foi justamente a desvalorização do real, que ajudou empresas com receita em dólar como a Petrobras (PETR4) e a Vale (VALE3).
“Não dá para olhar para o Ibovespa como um fator isolado brasileiro, porque ele é global. Quando você olha o EWZ, que é a bolsa brasileira em dólar, ela está trabalhando mediocremente”, disse Alves.
Para quem quer exposição à renda variável, o gestor da Kinea avalia que a melhor opção está na bolsa norte-americana. “No Brasil, você vai ter que conviver com o fato de que cinco ou seis ações difíceis de serem analisadas são os principais componentes do Ibovespa.”
Para o Bahia Asset, gestora com mais de R$ 4 bilhões em ativos, atualmente há uma expectativa de retorno um pouco mais apertada para o Ibovespa.
“Ainda não achamos que o Ibovespa esteja caro, mas a atratividade do índice, principalmente se comparado a NTN-Bs [títulos públicos corrigidos pela inflação] mais longas oferecendo mais de 6% de retorno real, diminuiu”, afirmou Diego Carvalho, responsável por fundos de renda variável do Bahia.
Na avaliação do gestor, o “stock picking” é uma boa pedida para quem quer estar alocado em ações no Brasil. “Ainda é possível encontrar empresas na bolsa que possuam uma taxa interna de retorno acima de 12% real, e são elas que compõem nossos portfólios nos fundos de renda variável.”
Apesar de não abrir quais ações específicas estão dentro da carteira, o Bahia Asset revelou possuir exposição aos setores elétrico, imobiliário, industrial, de consumo básico e setor financeiro.
Segundo Carvalho, para o Ibovespa alcançar patamares ainda maiores e de forma mais consistente, é preciso ver uma “queda do custo de capital de longo prazo” — isto é, um recuo na curva de juros futura.
A Legacy Capital, com mais de R$ 27 bilhões em ativos, também reduziu as posições no Brasil em agosto. “Acreditamos que o fundamento terminará por prevalecer, mas a postura hesitante do Banco Central brasileiro torna o cenário volátil no curto prazo”, escreveu, em relatório.
A visão de que a bolsa não tem mais espaço para novas altas é predominante, mas não é consenso no mercado. Entre as gestoras que estão na contramão dessa visão está a Neo Investimentos — que atualmente administra quase R$ 7 bilhões em ativos — e ainda vê uma valorização da ordem de 10% da bolsa brasileira até o fim do ano.
Considerando o patamar atual do principal índice de ações da B3, essa alta levaria o Ibovespa para algo próximo dos 145 mil pontos.
É consenso entre os gestores com quem conversei — até mesmo os mais otimistas — que o principal risco para a bolsa brasileira é a trajetória fiscal do país.
Se por um lado os desembolsos fiscais de 2024 impulsionaram a economia para crescimentos do PIB (Produto Interno Bruto) novamente acima de 2,5% e com mercado de emprego resiliente, por outro, os gastos do governo acenderam o alerta sobre o aumento da dívida pública. Isso sem falar na inflação, que começou a tirar o sono do Banco Central.
“O Brasil hoje é uma economia que trabalha acima do seu potencial, basicamente em função de um enorme esforço fiscal feito desde 2022, em meio à tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro e à transição para o governo Lula. Esse impulso fez os lucros das empresas melhorarem recentemente, mas o Brasil vive entre a cruz e a espada de saber que o PIB é forte porque o esforço fiscal é grande. Isso logicamente traz incerteza para os valuations”, disse Ruy Alves, da Kinea.
Para o Bahia Asset, enquanto os agentes de mercado não enxergarem uma “resposta efetiva da equipe econômica para normalizar o déficit fiscal do Brasil, o Banco Central brasileiro terá que ser o fiel da balança colocando os juros em níveis ainda mais restritivos para conter a alta das expectativas de inflação”.
Segundo a JGP — responsável pela gestão de mais de R$ 40 bilhões —, o caminho inevitável para a política monetária do Brasil é um novo ciclo de aperto monetário, elevando a taxa básica de juros, a Selic, para a casa dos 12,50% ao ano em janeiro de 2025. E juro alto não costuma combinar bem com investimento em bolsa.
Os economistas veem como provável que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva consiga cumprir a meta de déficit zero em meio à corrida em busca de novas fontes de receita para “fechar a conta”. No entanto, os problemas de verdade podem começar a partir do ano que vem.
Na carta aos investidores, a Verde Asset chamou a atenção para outra questão que pesa sobre o cenário: a real credibilidade das metas fiscais do governo em meio à “criação de um sem-número de fundos e outras tecnologias parafiscais que pareciam ter ficado num passado nem tão remoto”.
Para a gestora, o Brasil voltou à “era da política pública feita fora do Orçamento” — e as decisões de política fiscal do governo Lula mostraram o nascimento de “subterfúgios e criatividade” para a continuidade de gastos inesperados.
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O peso do exterior
Outro fator que deve ser preponderante para o desempenho da bolsa brasileira nos próximos meses é o futuro do cenário internacional.
Afinal, hoje o maior risco externo é uma eventual desaceleração mais acelerada dos países desenvolvidos. Caso houvesse uma recessão em nações como os EUA, por exemplo, a consequência inevitável seria uma fuga de capital para países mais seguros.
No entanto, com a iminência do início do ciclo de corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) e redução das chances de um hard landing — ou uma recessão mais forte — por lá, o Ibovespa e outros mercados de ações emergentes poderiam surfar o tom mais otimista dos investidores.
Para a Ibiuna, que tem os ex-BCs Rodrigo Azevedo e Mario Torós no comando, com os juros norte-americanos em queda, a “resposta tradicional dos mercados favorece ativos de risco”.
No entanto, na carta mensal de agosto, a gestora afirmou que não vê o Brasil bem posicionado para se beneficiar da mudança de postura pelo Fed e manteve posições defensivas nos ativos do país — incluindo a bolsa.
Já na visão de Guilherme Branquinho, sócio e um dos responsáveis pela cobertura macroeconômica da JGP, o “desaperto monetário” nos EUA terá efeito positivo sobre a bolsa brasileira — ao menos no curto prazo.
“Se o Banco Central do Brasil começar com um aperto monetário de 0,25 ponto e se lá fora as bolsas estiverem bem porque o Fed resolveu começar com cortes de meio ponto, isso vai dar uma sensação muito boa para países emergentes e deve ajudar a bolsa brasileira”, disse o gestor da JGP.
Fonte: SeuDinheiro