O ministério das Finanças e o Banco Central da Rússia apresentaram um relatório nesta terça-feira (15) analisando a necessidade de se criar uma alternativa ao sistema financeiro tradicional — além de fazer duras críticas ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A publicação acontece no contexto da 16ª cúpula dos líderes do BRICS, prevista para ocorrer entre 22 e 24 de outubro.
A Rússia é, atualmente, o país que preside os BRICS (sigla em inglês para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), grupo de países em desenvolvimento que vem tentando estreitar os laços entre si e chegou a englobar outras nações, como Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Os debates do grupo têm girado em torno de diversos temas. Entre eles, a substituição do dólar como meio de pagamento entre os países do bloco — crítica que é endossada pela China, pelo Brasil e pela própria Rússia.
O pontapé inicial desse debate foi dado após a exclusão da Rússia do Swift, o sistema de pagamentos internacional. Desde então, o país vem buscando alternativas para transferências transfronteiriças. O país também passou a usar o yuan em 70% das suas transações comerciais.
Assim, a solução apresentada no relatório é defender um sistema de pagamentos transfronteiriços via Digital Ledger Technology (DLT, o nome pomposo para blockchain). Ou seja, a Rússia sugere a criação de uma espécie de criptomoeda dos BRICS.
Por que a Rússia quer criar a criptomoeda dos BRICS?
Segundo o documento de 48 páginas, o comércio global transfronteiriço tem acontecido principalmente em regiões de países emergentes e economias em desenvolvimento. Contudo, os investimentos internacionais não acompanham esse fluxo de recursos.
“Esse tipo de desconexão entre bens e investimento indica que países emergentes e economias em desenvolvimento estão perdendo, permanecendo sub financiados, pois os lucros gerados pelo comércio crescente são investidos no exterior em mercados mais líquidos e acessíveis, em vez de beneficiar as economias domésticas”, diz o documento.
Com isso, os analistas afirmam que o FMI tem “deficiências fundamentais” e que a dependência excessiva em uma única moeda e uma estrutura financeira centralizada dão ao organismo internacional “potencial desestabilizador”.
“O modelo futuro do FMI deve girar em torno dos princípios fundamentais de segurança, independência, inclusão e sustentabilidade. Propomos um conjunto de novos princípios, todos com igual grau de importância, para garantir que o novo sistema proteja seus participantes da perda de capital e ativos, permaneça independente, garanta acesso não discriminatório e seja desenvolvido com uma visão de longo prazo”, diz o relatório.
Com vocês, a CBDC dos BRICS
A proposta da Rússia é criar um sistema de pagamentos nos moldes de uma Central Bank Digital Currencies (CBDCs), as moedas virtuais de bancos centrais.
No começo de setembro, o país governado por Vladimir Putin já havia começado a testar os sistemas de pagamentos internacionais com criptomoedas. Porém, o que os analistas do ministério das finanças e do BC russo sugerem é criar uma tecnologia digital comum ao bloco.
Dessa forma, o atual sistema — que é centralizado e baseado no dólar — seria substituído por um sistema descentralizado, com liquidações por meio de tokens que seriam lastreados em moedas nacionais.
De acordo com o relatório, o efeito cumulativo do uso de um DLT para transações teria um custo adicional de algo entre 1% e 2% do atual envolvido em liquidações convencionais.
O documento detalha ainda como seriam operações de crédito entre os países e liquidações de pagamentos internacionais. Contudo, existem problemas tecnológicos e monetários que impedem o surgimento de uma CBDC com esse formato.
O que impede a criptomoeda do bloco de sair do papel
Voltando alguns passos, o Banco Central brasileiro já está com um dos projetos mais avançados do mundo no que diz respeito à CBDCs. O real digital, ou Drex, vem sendo desenhado para ser esse sistema.
Atualmente, existem dois principais problemas que atravancam o desenvolvimento mais acelerado do Drex.
O primeiro deles diz respeito à segurança: o DLT (ou blockchain) é um sistema de “livro aberto”, isto é, uma tecnologia que dá transparência às transações — e nem todos os operadores podem querer que suas negociações estejam abertas ao público (seja por motivos republicanos ou não).
O segundo problema é a interoperabilidade: um DLT precisa conseguir se comunicar com o outro para que a tecnologia funcione de maneira prática e eficaz. Em outras palavras, a rede do real digital precisa conseguir interagir com a do rublo digital, por exemplo.
No ramo das criptomoedas, já existem algumas formas de comunicar blockchains, as chamadas bridges, mas elas não são tão seguras — vide a quantidade de ataques hackers que ocorrem nesse mercado.
Ou seja, se o sonho da Rússia é conseguir escapar das sanções do Ocidente no curto prazo para continuar a guerra com a Ucrânia, ele não deve se concretizar tão cedo.
Fonte: SeuDinheiro