Embora os resultados das eleições para o Parlamento Europeu tenham mostrado um avanço dos partidos mais à direita, a configuração final das cadeiras do centro de decisão da UE pode  ficar relativamente estável em relação à atual composição.

Mas o impacto das mudanças da opinião pública dentro dos países – especialmente na França e na Alemanha, as duas maiores economias do bloco – pode dificultar e até mudar a orientação atual.

A avaliação foi feita em artigo para o think tank Bruegel assinado por Maria Demertzis, professora de Política Econômica na Escola de Governança Transnacional de Florença.

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Ela classifica os resultados das eleições europeias como “um saco misto”: Partido Popular Europeu e os Social-Democratas, tradicionalmente os maiores partidos do bloco, mantiveram as respectivas primeira e segunda posições no Parlamento Europeu. Mas o Renew Europe (o partido dos liberais) e os Verdes tiveram perdas substanciais.

O grupo de extrema-direita Identidade e Democracia (ID) conquistou 9 lugares em comparação com as eleições europeias de 2019, mas a acadêmica afirma que isso está muito longe de ser um divisor de águas.

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Um dos motivos é que há 53 novos membros eleitos que ainda não declararam qual grupo (se houver) gostariam de se filiar, e mais mudanças podem acontecer entre outros grupos menores. “Globalmente, houve uma pequena viragem para a direita, mas a perspectiva do Parlamento Europeu não mudou de forma significativa”, analisa.

Mas ela alerta que, embora o temor de que a extrema-direita obtivesse ganhos significativos dentro da União Europeia não tenha se materializado, o cenário político da UE mudou, devido ao que aconteceu na Alemanha e na França.

Alemanha

O partido de centro-esquerda Social-Democrata (SDP), de Olaf Scholz, perdeu muito, ficando em terceiro lugar, atrás dos democratas-cristãos (CDU/CSU) e da extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). “Essa votação poderia sinalizar uma falta de confiança do eleitorado no PSD de Scholz e poderia enfraquecer seriamente o governo pelo restante de seu mandato”, explica.

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No contexto da UE, o atual governo não poderá defender posições, a menos que sejam amplas e apartidárias. “É importante ressaltar que o que esses resultados eleitorais nos mostram é que, 35 anos após a reunificação, a Alemanha ainda opera como se fossem dois países diferentes”, cita a professora.

A parte ocidental da Alemanha votou no CDU/CSU e o Leste votou na AfD e a incapacidade de alcançar a coesão em nível interno, apesar de políticas específicas, não é um sinal de esperança para a coesão europeia, frisa Maria Demertzis.

França

Na França, a decisão do presidente Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional foi um o verdadeiro choque após as eleições da EU, conforme argumentação da professora. Depois de a sua coligação ter ficado em segundo lugar, com menos de metade dos votos do partido de extrema-direita francês, o Reunião Nacional (RN), Macron marcou novas eleições legislativas nacionais para o final deste mês.

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A vitória do RN pode muito bem repetir-se no início de julho e o líder do partido, Jordan Bardella, poderia se tornar o primeiro-ministro mais jovem da França, aos 28 anos, colocando-o em coabitação com o presidente Macron.

Macron pode optar por renunciar, não aceitando cogovernar com a extrema-direita, ou pode permanecer com o governo dividido. E aí será necessário observado as agências de rating, uma vez que os títulos soberanos franceses tiveram um rebaixamento há poucos dias por conta da dívida fiscal.

“As agências de classificação de risco tentarão impor disciplina à França, um efeito preocupante para qualquer líder que sinta que tem a liberdade de gastar com o voto popular”, prevê.

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Para ela, ao marcar novas eleições após constatar sua perda de apoio, Macron espera que mais pessoas votem e que, chocadas com a perspectiva de um primeiro-ministro de extrema-direita, vão decidir com mais “prudência”.

“Uma coisa é certa: o presidente Macron está desesperado e, neste jogo de pôquer, jogou todas as cartas na mesa. O ataque é agora a sua melhor defesa.”

Como fica a UE?

O artigo defende que, apesar do resultado mais ou menos estável para o Parlamento Europeu, estas eleições demonstram mais uma vez que não existe uma história única na UE. Disputam-se, ganham-se e perdem-se eleições em questões nacionais que podem tirar a UE do rumo.

Ou seja, se o presidente Macron perder sua aposta eleitoral, a extrema direita na França pode tentar enfraquecer a UE e minar sua posição global dentro do bloco. A Alemanha, onde o governo também foi enfraquecido, pode não ser capaz de unir todos em torno de suas posições para repelir a extrema-direita.

Mas Macron vencer a aposta, continuará pressionando para moldar posições na França e em Bruxelas. “O resultado das eleições parlamentares francesas é crucial, especialmente numa altura em que a UE provavelmente prosseguirá com políticas industriais para fazer face aos desafios globais provenientes tanto dos Estados Unidos como da China. O que não é claro é se estas políticas servirão os interesses franceses em detrimento do mercado único da UE e, em última análise, do consumidor europeu.”

O texto finaliza lembrando que o que pode se tornar o resultado das eleições europeias menos polêmico é a recondução de Ursula Von der Leyen como presidente da Comissão Europeia. “Com os números a seu favor, e Paris e Berlim distraídas por seus próprios problemas internos, sua recondução pode ser mais certa do que se pensava.”

Fonte: InfoMoney

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