Um acordo de cooperação comercial entre as duas maiores empresas aéreas do Brasil levou as ações da Azul (AZUL4) e da Gol (GOLL4) às alturas na bolsa brasileira na semana passada.
Na noite da última quinta-feira (23), as companhias fecharam uma parceria para conectar as suas malhas aéreas no Brasil através de um codeshare, a permissão de que uma empresa venda assentos em voos de outra, ampliando o número de linhas de atuação de cada uma.
Segundo o BTG Pactual, as sinergias de malha — que inclui as rotas domésticas exclusivas, ou seja, operadas por apenas uma das duas companhias — representam uma oportunidade para Gol e Azul e têm potencial de impulsionar a demanda por voos.
“A Gol concentra-se especialmente nas principais rotas e hubs aeroportuários do Brasil, enquanto a Azul é um player importante nas rotas regionais. Estas sinergias poderão melhorar a sua cobertura de mercado”, disseram os analistas, em relatório.
Para Matheus Soares, co-fundador do Market Makers, ainda é cedo para estimar o impacto do codeshare entre a Azul e a Gol no Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) dos próximos trimestres.
Mas nas contas do mercado, o acordo de compartilhamento de malhas pode gerar em torno de R$ 600 milhões de Ebitda adicional nos próximos 12 meses — sendo que, só em 2024, a expectativa é de um adicional de R$ 300 milhões.
Azul e Gol: Vem fusão aí?
Ainda que o negócio por si só traga um alívio para as empresas, que hoje se encontram fortemente alavancadas, a disparada recente dos papéis na B3 deu-se por outro motivo: a expectativa de que o codeshare seja o primeiro passo em direção à fusão das duas aéreas.
Os rumores sobre uma potencial combinação de negócios se intensificaram em março deste ano, quando a Bloomberg News informou que a Azul (AZUL4) estaria se preparando para abocanhar a Gol (GOLL4).
Na época, a publicação informou que a companhia aérea avaliava uma série de opções — incluindo a possibilidade de uma aquisição total da rival.
Na avaliação de parte do mercado, diante das possíveis sinergias operacionais e financeiras e da diminuição do risco regulatório por entidades como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o acordo de codeshare anunciado recentemente pode ser uma forma de a Azul e a Gol testarem a temperatura do mercado antes do anúncio de uma combinação de negócios.
Afinal, enquanto o compartilhamento de malha aérea não passa pelo crivo da autarquia, uma eventual fusão precisaria do sinal verde do Cade — e um dos principais pontos de atenção na análise do órgão seria o surgimento de um duopólio no mercado brasileiro.
Segundo apuração do Broadcast, uma fusão entre Gol e Azul resultaria na maior concentração na história recente da aviação brasileira.
Ainda existe no mercado a discussão de que a Latam poderia questionar uma eventual fusão. Porém, para um economista com quem falei para esta matéria, a concorrente não parece ter desejo de argumentar contra um potencial M&A entre a Gol e a Azul.
“Ela não quer uma companhia quase quebrando e jogando o preço das passagens para baixo. Ela prefere uma Azul junto com a Gol colocando os preços para cima em uma situação saudável, porque ela consegue elevar os valores junto. Nesse caso específico, não seria uma concentração que destruiria o concorrente, mas sim uma fusão que pode melhorar a situação do setor e beneficiar os concorrentes.”
Em uma conta “otimista” sobre a potencial fusão de Gol e Azul, o analista de equity do Market Makers, Matheus Soares, avalia que a empresa combinada poderia chegar a R$ 40 bilhões em valor de firma (EV), considerando uma geração de Ebitda de R$ 8 bilhões da Azul com múltiplo de 5x EV/Ebitda.
Além disso, após a combinação de negócios, a companhia resultante da fusão contaria com um valor de mercado estimado em R$ 16 bilhões — se não houver diluição, isso avaliaria a ação a um preço em torno de R$ 40 por papel.
Segundo o Itaú BBA, considerando que a Azul (AZUL4) voa sozinha em mais de 80% de suas rotas, a fusão com a Gol (GOLL4) “poderia desbloquear sinergias substanciais de receitas”, além da poupança de custos para a empresa combinada.
Procurada pelo Seu Dinheiro nesta semana, a assessoria de imprensa da Azul afirmou que a empresa “não está dando entrevista neste momento”. Já a Gol não havia retornado a solicitação até o momento de publicação desta matéria.
Um longo caminho pela frente
Na avaliação do BTG Pactual, ainda é prematuro dizer que o codeshare sinaliza uma fusão entre as aéreas pela frente. Segundo os analistas, o compartilhamento de malhas seria “o primeiro passo em um processo muito mais longo” para uma potencial combinação de negócios — que ainda careceria de decisões sobre aspectos fundamentais, como governança e aprovação dos reguladores.
Porém, se de fato o acordo de codeshare avançar, o banco afirma não descartar a possibilidade de ambas as companhias aéreas testarem “níveis mais profundos de cooperação”, como joint ventures ou até mesmo uma fusão.
Para um gestor de ações com quem conversei, a parceria anunciada entre a Gol e a Azul indica um aumento de probabilidade de uma transação “muito complexa” entre as empresas. “Acho que o caminho é uma fusão ou alguma transação que implique em cruzamentos de participação acionária, mas não vai ser fácil”, disse, em entrevista ao Seu Dinheiro.
Segundo o gestor, do ponto de vista de concorrência, o Cade “deveria vetar a transação de qualquer forma”, já que uma fusão consolidaria um duopólio na aviação. Porém, diante de um cenário complexo para o segmento, com oferta limitada de jatos e rentabilidades pressionadas, a fragilidade das empresas pode levar a autarquia a aprovar uma potencial fusão, ainda que com “remédios”.
“Acho que o Cade vai ficar numa super sinuca de bico e não tem como sair. Na minha visão, ele seria praticamente obrigado a aprovar, mas o que ele poderia fazer seria impor restrições muito severas.”
Para o cofundador do Market Makers, Matheus Soares, a “solução clara” para o setor de aviação seria uma fusão entre a Gol e a Azul, especialmente devido ao endividamento alto das empresas, que hoje se encontra na casa dos R$ 20 bilhões.
“Se acontecer, acho que o Cade vai olhar muito mais o lado da oferta de voos e empregos que poderiam ser perdidos caso uma das empresas saísse de jogo. É uma discussão complexa, mas ele já aprovou Localiza e Unidas… não sei em quais termos o Cade aprovaria, mas parece existir uma possibilidade”, disse Soares.
Para além do aval dos reguladores, uma potencial fusão ainda precisaria superar outro obstáculo: o convencimento dos credores da Gol nos EUA. Afinal, é importante lembrar que a Gol ainda está no meio de uma recuperação judicial nos Estados Unidos, que teve início em janeiro deste ano.
“É muito difícil costurar um M&A com uma empresa em RJ e a outra empresa extremamente alavancada”, disse o gestor, sob anonimato. “Não é uma negociação que tem dois na mesa, mas sim 20 ou 30 pessoas na discussão. É bem mais complexo.”
Gol (GOLL4) em crise
Em março, após as notícias sobre uma possível fusão com a Azul estamparem as manchetes dos jornais, a Gol anunciou um processo competitivo para avaliar as possibilidades de capitalização ou “transações alternativas” em sua reestruturação de dívidas.
Já na segunda-feira passada (27), a Gol ainda publicou um plano financeiro para os próximos cinco anos. Para conseguir sair da recuperação judicial, a empresa precisará refinanciar cerca de US$ 2 bilhões em dívidas (acrescidos de qualquer pagamento de make-whole permitido e juros de mora).
A companhia aérea também vai precisar de uma injeção de capital de US$ 1,5 bilhão por meio da emissão de novas ações. No entanto, a Gol ainda não entrou em detalhes sobre como será feita a emissão de ações.
Com o plano de reestruturação de cinco anos anunciado nesta semana, a Gol busca retornar a capacidade doméstica aos níveis pré-pandemia até 2026.
Para apoiar essa expansão, a Gol espera que a frota da companhia cresça para 169 aviões até 2029. Porém, para dar sustentação financeira ao plano, a companhia aérea deve sacrificar a margem Ebitda.
Segundo o plano quinquenal da Gol, a empresa ainda pretende realizar um aumento de capital da ordem de US$ 1,5 bilhão em algum momento dentro dos próximos cinco anos.
“A companhia pagará seu financiamento existente de Devedor em Posse (DIP) ao mesmo tempo que adicionará liquidez incremental ao seu balanço”, disse, em nota.
Fonte: SeuDinheiro