Um presidente sofre uma derrota nas urnas e decide antecipar as eleições. Ele não é obrigado a isso e sabe que a manobra é arriscada, mas segue adiante porque prefere ter um aliado como primeiro-ministro. Quando sai o resultado do novo pleito, verifica-se que esse presidente perdeu de novo, mas para outro grupo político. Depois de muita hesitação, ele decide nomear um primeiro-ministro, mas ignora o resultado das urnas e aponta alguém ligado ao campo derrotado. Esse poderia ser o resumo de uma novela política ocorrida em uma república de bananas qualquer, vulnerável a aventuras autoritárias, mas estamos falando de um país situado no seio do poder ocidental: a França de Emmanuel Macron.
Em junho, Macron decidiu antecipar as eleições legislativas depois da vitória da extrema-direita no pleito para o Parlamento Europeu.
Vista desde o início como uma aposta de alto risco, uma vez que Macron não era obrigado a antecipar as eleições, a decisão do presidente centrista provou-se como tal.
Quem acabou vencendo o pleito para a Assembleia Nacional da França, realizado no início de julho, foi uma frente de esquerda.
Mas o resultado também não pode ser chamado de conclusivo.
A Nova Frente Popular (NFP, esquerda) amealhou 182 cadeiras. A coalizão centrista de Macron perdeu a maioria parlamentar, mas terminou com 168 assentos. Já a extrema-direita, representada pela Reunião Nacional e aliados, elegeu 143 deputados.
Pela regra, Macron deveria ter incumbido um representante da NFP para formar o governo.
Pessoas próximas do presidente francês dizem que os demais partidos representados na Assembleia Nacional avisaram de antemão que votariam contra a indicação de qualquer membro da NFP.
Seja como for, não será possível saber, uma vez que Macron não indicou nenhum representante da frente de esquerda para chefiar o governo desde a eleição.
Ao longo dos últimos quase dois meses, Macron também teria cogitado políticos de outras facções para a função, mas consultas aos partidos mostraram que nenhum deles seria aprovado se a indicação fosse a plenário.
Hoje, Macron indicou Michel Barnier para primeiro-ministro.
Político de perfil discreto e conservador, Barnier tem 73 anos e é mais conhecido internacionalmente por ter liderado as negociações do Brexit pelo lado da União Europeia (UE).
Se for aprovado pela Assembleia Nacional, Barnier será o primeiro-ministro mais velho a assumir o governo na França moderna — e sucederá justamente o mais jovem, Gabriel Attal, cuja renúncia foi recusada por Macron depois da eleição.
As posições políticas de Barnier são parecidas com as de Macron, que tenta evitar a reversão de reformas promovidas por ele nos últimos anos, em especial a da previdência.
Caso a indicação seja aprovada, a expectativa é de que Barnier tenha um batismo de fogo, pois o prazo para que a Assembleia Nacional aprove o Orçamento de 2025 está próximo do fim.
O impasse persiste
Mas se a intenção declarada por Macron ao antecipar as eleições era dar mais “clareza” à sociedade em relação ao atual cenário político do país, a única certeza entre os franceses ainda é a de instabilidade política no horizonte.
Para que Barnier seja empossado, a aliança centrista de Macron precisará dos votos de extrema-direita.
Em princípio, a Reunião Nacional informou que não irá bloquear a indicação, mas avisou que o fará se suas exigências não forem atendidas.
A esquerda, por sua vez, se prepara para ir às ruas contra a indicação de Barnier.
“A eleição foi roubada”, disse Jean-Luc Melenchon, líder da NFP.
Mathilde Panot, líder da França Insubmissa, qualificou o comportamento de Macron como o de um “autocrata”.
“Ao nomear Michel Barnier, o presidente se recusa a respeitar a soberania popular e a escolha feita nas urnas. Contra esse golpe democrático inaceitável em uma democracia, junte-se a nós nas ruas em 7 de setembro”, disse ela.
Fonte: SeuDinheiro