A reunião do Comitê de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) desta quarta-feira (1) tem gerado ansiedade por quase todo o mercado financeiro, nem tanto pela decisão dos juros nos Estados Unidos em si, mas pelo tom, tanto do comunicado quanto das declarações posteriores do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell.

A expectativa da manutenção das taxas, tanto nessa reunião de maio quanto na próxima, em junho, é praticamente unanimidade entre os economistas. Até porque a advertência de Powell em março sobre o Comitê precisar de mais confiança no processo de tendência de queda da inflação ante de pensar em cortar juros não recebeu a ajuda dos dados macroeconômicos.

Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, por exemplo, destaca que o cenário atual ainda é de um mercado de trabalho aquecido, com taxa de desemprego baixa e salários crescendo acima da produtividade.

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“Os indicadores de inflação subjacente, que excluem itens voláteis e não recorrentes, calculados pelo próprio Fed, mostram a inflação estabilizando em patamar elevado, entre 3% e 4%, acima da meta [que é de 2%]”, comenta a economista.

Francisco Nobre, economista da XP, concorda com essa leitura. “Os dados divulgados desde o começo do ano vieram mais duros tanto do lado da inflação quanto do lado do mercado de trabalho e também da atividade como um todo”, compara.

Nobre complementa o raciocínio lembrado os sinais mais persistentes de reaceleração na inflação, como o PCE da última sexta-feira, que mostrou nos  serviços uma variação mais forte do que a observada no final do ano passado.

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“A questão chave aqui é realmente que esses dados tiram justamente a confiança que o Fed estava adquirindo no final do ano passado de que eles fossem conseguir cortar juros esse ano, de flexibilizar a política monetária”, diz o economista.

Na mesma linha, Sávio Barbosa, economista chefe da Kínitro Capital, cita que a composição da inflação também deteriorou. A medida trimestral anualizada de inflação de serviços – excluindo moradia-, por exemplo, acelerou de 2,2% em dezembro para 5,5% em março.

Ele reconhece que o crescimento PIB americano desacelerou nos primeiros três meses de 2024 ante o trimestre anterior (de 3,4% para 1,6%), mas pondera que grande parte dessa moderação se deveu à queda nas exportações líquidas e nos estoques. “A demanda doméstica seguiu forte. O consumo moderou, mas seguiu crescendo em ritmo robusto. A criação de postos de trabalho surpreendeu para cima e o Payroll mostrou uma aceleração no ritmo de criação de postos no 1º trimestre”, lista.

Juros mais altos, por mais tempo

Com a confiança enfraquecida, foi natural que as previsões de início de cortes de juros fossem jogadas cada vez mais para a frente. A ferramenta “FedWatch”, do CME Grup, praticamente descarta qualquer flexibilização em maio, junho e julho. E mantinha até ontem uma probabilidade de 42,1% de as taxas continuarem no mesmo intervalo entre 5,25% e 5,50% também em setembro.

Mesmo com uma visão semelhante do cenário, os economistas ainda divergem sobre quando o Fed poderá readquirir a confiança perdida.

Na XP, que já trabalhava com um hipótese de primeiro corte em julho – quando a mediana do mercado ainda acreditava na flexibilização em maio ou junho – a projeção foi empurrada mais um pouco. “A gente atrasou essa projeção para dezembro e acha que o primeiro corte vai vir só depois das eleições nos Estados Unidos”, afirma Nobre.

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Na Principal Claritas, a economista chefe Marcela Rocha, conta que, depois da divulgação dos dados de inflação de março, a projeção do cenário para a política monetária nos EUA também mudou. “O primeiro corte passou de junho para setembro e o total de cortes no ano saiu de 3 para 2, totalizando 50 bps de ciclo de afrouxamento monetário. Depois de setembro, o segundo corte de 25 bps seria em dezembro”, projeta.

A economista Claudia Rodrigues afirma que o C6 Bank já considerava que a inflação teria uma desaceleração lenta, em razão do mercado de trabalho aquecido, um cenário que não abre espaço para os três cortes de juros projetados pelo próprio Federal Reserve em seu último sumário de projeções.

“O que temos visto é a inflação estabilizando acima da meta de 2% e apoiada por indicadores mostrando uma trajetória de preços ainda resistente. Estamos prevendo dois cortes até o fim de 2024, com o ciclo de redução das taxas começando no segundo semestre”, comenta. Mas a economista disse não descartar até a hipótese de os juros permanecerem estáveis, sem nenhum corte ao longo do ano.

A análise de Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, vai na mesma linha. “Descartamos o início de cortes em junho e passamos a projetar o primeiro corte em setembro. Num cenário pessimista, caso a economia norte-americana continue dando sinais de resiliência, com uma inflação não caminhando de forma sustentável para a meta, é possível que o corte venha apenas em novembro.”

Powell será duro, mas nem tanto

Com tantas incertezas, restará encontrar nas falas de Powell, tanto na declaração pós reunião como na coletiva com jornalistas, sinais sobre a conduta da autoridade monetárias nos meses à frente.

Para Francisco Nobre, da XP, é muito possível que uma mensagem mais “hawkish” pelo no Fed, mas não excessivamente dura, até porque Powell e outros diretores já passaram esses recados recentemente.

“Não acho, por exemplo, que ele vai falar sobre a possibilidade de novas altas na taxa de juros, que é algo que tem sido muito discutido novamente. Até economistas muito respeitados nos Estados Unidos, como Larry Summers, começaram a falar de uma potencial necessidade de subir os juros”, lembra.

Nobre acredita que Powell irá reforçar que o Fed vai continuar sendo dependente dos dados e que uma desaceleração mais clara tem que acontecer para que ele possam começar a cortar a taxa de juros.

Claudia Rodrigues, do C6 Bank, concorda que os discursos recentes de membros do Fomc já apontam nessa direção. “Membros do Fomc têm transmitido mensagens parecidas, indicando que o progresso da inflação em direção a meta parece ter parado. Então, os discursos já estão mais moderados, sugerindo uma cautela maior do comitê, que na reunião de março ainda previa três cortes de juros este ano”, destaca.

Para Marcela Rocha, da Principal Claritas, o risco é de a reunião ter novas sinalizações “hawk”, mas que essas “surpresas” podem ficar no comunicado, com uma avaliação mais preocupada sobre a dinâmica da inflação. Ele vê chance de o Fed destacar que a velocidade de desinflação é lenta e que sua composição preocupa.

Para ela Powell pode ser questionado na coletiva sobre cenários alternativos de não cortes ou de elevação das taxas de juros.  “A expectativa é que ele responda que as taxas de juros já estão em patamar restritivo e vão continuar neste patamar por longo período se necessário. Mas, dependendo, de quais condições o Fed colocar para estes cenários, a resposta pode soar ‘hawk’, mostrando que não são cenários completamente descartados pelo Fed.”

Na avaliação de Sávio Barbosa, da Kínitro, o presidente da instituição deve sinalizar que a melhor política agora é manter a taxa de juros nos níveis atuais até que construa mais confiança na convergência da inflação para a meta.

Ele também acredita que Powell receberá perguntas sobre uma possível alta nos juros, mas que citará o nível de juros atual como suficientemente restritivo para deve levar à moderação da inflação. “Mesmo os membros mais ‘hawkish’ do Comitê ainda não defenderam aumentos adicionais na taxa de juros.” Já para

Gustavo Sung, da Suno, Powell deverá manter uma postura de cautela, sinalizando que os últimos dados não trouxeram a confiança necessária para discutir um corte na taxa de juros. “Por exemplo, a inflação ainda não deu sinais de convergência para a meta de longo prazo, de 2,0%. A depender da mensagem na entrevista, poderemos observar alguma volatilidade nos mercados.”

Fonte: InfoMoney

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